sábado, 23 de maio de 2015

Ah, poeta...


Nada tão docemente amargo quanto o coração de um poeta,
nem tão caro quanto seu espírito tangível!
Desprotegido e nú, vagueia seu ser entre horrores e maravilhas.
A caneta lhe vale o reinado e por ela grava cicatrizes no papel dos corações humanos
Tateia na escuridão do próprio cérebro e com incrível agilidade desencrava peças do inconsciente.
À luz de sua razão, em seguida, transborda nos quatro cantos do universo.


Nada tão calmo e vazio quanto um poeta transbordado,
nem tão ansioso quanto um poeta calmo e vazio!


Retorna no seu mergulho negro até que esgote o veio, sem satisfazer-se...
Esgotando um e mais outro procura preencher-se.
Novamente, vagueia e observa...
Expõe-se nú e desprotegido a horrores e maravilhas e deixa marcar seu espírito pela caneta da vida.
Abdica seu reino em favor de uma causa suicida,
mas quando volta vitorioso é coroado de novas pedras,
tornando a garimpar sua escuridão!



Nada tão obstinado quanto um poeta antes do mergulho,
nem tão forte e vivo quanto um poeta obstinado!


Porém, de tantos que são os horrores,
de tão sensível às maravilhas que é o espírito,
de tão exausto o corpo dos mergulhos;
nada é tão velho quanto um poeta cansado, nem tão triste quanto um poeta morto!


Fernanda Bega




escrito em 15 de julho de 1980- às 15hs- para Vinícius de Moraes que acabara de falecer.

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