terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Versinhos

Um ninho de tico-tico


Um ninho de tico-ticos feito com arte e primor
Achei no galho mais rico da minha roseira em flor.
Entre as flores, encoberto, ninguém sabe que ele existe
É preciso olhar de perto para que a gente o aviste
Lá no fundo somente três ovinhos, nada mais
O ninho tão fofo e quente que os três ovos estavam iguais!
Mas tive muito cuidado não toquei com meus dedinhos
Mamãe disse que é sagrado um ninho de passarinhos.


De: Maria Zalina Rolim (1869-1961)
Ensinado e recitado sempre por minha mãe...

sábado, 17 de janeiro de 2015

DONA LENY, 22 DE FEVEREIRO DE 1929.



Aprendi a recitar poesias com a minha mãe. No começo eram pequenos versinhos da tradição oral que todo mundo conhece, como:
Sou pequenininha de pernas grossas
Vestidinho curto papai não gosta.
Ou:
Sou pequenininha do tamanho de um botão
Levo papai no bolso e a mamãe no coração.
Todas as brincadeiras que ela nos ensinava tinham músicas ou versinhos e isso nos estimulava mais e mais. Rei, capitão, soldado, ladrão, moço bonito do meu coração!
Minha mãe era uma mulher alegre, bonita e sábia. Pouco estudo, muita intuição. Sempre ouviu muito rádio com a gente, apesar até de eu ser jovem para isso, lembro-me de ter escutado novela no rádio (isso porque tenho uma memória de elefante mesmo!).
Caridade, aprendi com ela também. Minha mãe nunca jogava comida fora, fazia pacotes e me mandava levar para os vizinhos mais necessitados, isso sem contar os pratos que servia na porta mesmo para os pedintes. Vou ser sincera que eu reclamava de ir levar as coisas...
Tinha uma casa muito pobre, cheia de crianças quase sempre peladinhas, um lugar feio e sujo. Claro a miséria é feia. Eu reclamava, mas ia. Uma vez, a casa desta família encheu d’água e meu pai trouxe todo mundo para nossa casa, o casal e cinco filhos. Mamãe improvisou um cômodo para eles na garagem de nossa casa e dividimos e multiplicamos as refeições até que se ajeitasse a casinha deles de novo. Outra vez, uma vizinha operou as varizes e não podia levantar da cama por uma semana e minha mãe, que não exigia que eu fizesse nenhum serviço doméstico em casa, me escalou a semana toda para ir lavar a louça do almoço da vizinha e ajudar a olhar uma filhinha pequena que ela tinha. Coisas que eu, adolescente de 13, 14 anos, não compreendia. Mas fui e fiz e tive uma incrível sensação de “utilidade”, o prazer de servir e fazer o bem por menor que ele fosse.
Sinto-me compelida a falar da vida da Dona Leny, de como ela foi sempre, principalmente porque a idade já forjou seus efeitos na personalidade dela... Pessoas que não a conheceram não podem imaginar como ela foi, o que fez nesta vida ( e também os que têm memória curta). É uma questão de justiça e gratidão falar de tudo que a minha memória guardou da nossa infância.
Minha mãe, por ter trabalhado em farmácia quando muito menina e aprendido muitas coisas sobre medicamentos, dosagens e seus preparos, ( naquela época eram mais medicamentos de manipulação do que industrializados), ela sabia aplicar injeções e, quando veio morar em São Paulo, vizinhos batiam no nosso portão a qualquer hora do dia pedindo que lhes aplicasse algum medicamento solicitado por seus médicos. Lembro-me dela colocando no fogo para ferver e desinfetar o seu Kit de seringa e agulha (não existia seringa descartável nos anos 60).
Nunca se negava a acudir ninguém por mais que estivesse ocupada! Também a procuravam para furar a orelhinha de bebês recém nascidos e dar o primeiro banho em vários bebês que nasciam na vizinhança e, por isso mesmo, cresci amando as crianças, os bebês. Claro que o primeiro banho dos meus filhos também foi privilégio dela.
Como não havia nem igreja na Vila Gustavo, quando ela se mudou para lá, mamãe teve a iniciativa de ensinar a catequese para as crianças na idade certa. Meu pai, então, arrumou uns bancos de madeira, colocou-os numa área coberta no fundo do nosso quintal e lá minha mãe formou várias turmas para a Primeira Eucaristia. Eu, ainda pequena demais para o catecismo, com 4 ou 5 anos, acompanhava as aulas e sabia de cor os 10 mandamentos, as orações, etc. Fiz anos de catecismo antes de chegar a minha idade certa.
Mamãe se divertia muito com a gente mesmo sem todos os brinquedos que se tem hoje, até mesmo sem a televisão em casa. E quando acabava a luz (o que acontecia com muita freqüência), a gente se reunia ao redor da chama da vela e fazíamos brincadeiras e cantávamos muito, muitas cantigas de roda e infantis até cansarmos. Aprendi a cantar a canção da velha a fiar, em que você vai enumerando e acrescentando vários novos personagens que incomodam a velha e no final tem que lembrar de todos, sempre com o último incluído. Vocês conhecem, né?
Cantávamos também aquela musiquinha da loja do mestre André, alguém conhece? E do gato na tuba. E recitávamos o poema sobre o gatinho chamado Cetim... Essa era a minha mãe, essa é a minha mãe que permanece cheia de idéias naquela cabecinha branca, já cansada, já esquecida.
Quem conhece os sete filhos que ela criou não pode imaginar que ela tenha sido amarga ou triste a vida inteira.
Meus irmãos são espirituosos, inteligentes, bem humorados e todos têm caráter e personalidade. Formaram-se e tornaram-se bons, excelentes pais e mães, maridos e esposas. Minha mãe tem toda essa bagagem vivendo por aí e fazendo este mundo um lugar melhor porque é disso que se trata viver bem e ser BOM. Viver bem é deixar o mundo melhor quando partirmos e isso não é o mais comum de acontecer. O mais comum é o que vemos a nossa volta, pessoas que vão se fechando numa concha de egoísmo, olhando para o próprio umbigo, para o próprio enriquecimento a qualquer custo e que deixam rastros de desafetos pela vida afora. Poucos terão as mãos cheias com tamanho tesouro ao reencontrar com o Criador, isso eu posso testemunhar.


... continua.