sexta-feira, 8 de março de 2013

“Vovó Sebastiana ou Dona Bati”

( dedicado à minha mãe, uma grande contadora de histórias, que me fez conhecer e amar uma mulher que o tempo não me permitiu conhecer...)

É importante dizer que não a conheci; ela morreu em 1955 e eu nasci em 61, por isso não pretendo ser sua biógrafa, nem poderia pois sua passagem por este mundo foi tímida, silenciosa e pobre.
Aprendi a gostar dela através da minha mãe e assim recebi todas as informações que tenho. Penso que mamãe não deixava passar um só dia sem citar minha avó – tantos ditos populares e conhecimentos caseiros!
Sobre sua infância, nada... Deve ter sido inocentemente divertida como a de meus pais.
Quando da gripe espanhola, em 1918, escapou com vida entre tantos mortos. Com sua frágil estrutura física, driblou a lógica da morte e sobreviveu para contar sua história; restou-lhe como seqüela uma asma violenta que a acompanharia até o fim de seus dias.
Pobre, criada na roça, miúda e agora doente foi assim que se tornou mulher, naqueles anos tão difíceis. Casou-se tardiamente, aos 28 anos, com meu avô pouco mais jovem. Não sei se o escolheu ou se, como era costume, apenas foi escolhida, mas sei que não objetou. Tão poucas condições tinham que, apesar das convenções, casaram-se só no civil e, muitos anos depois, no religioso. Nessa ocasião, mamãe já era nascida e tem boa recordação da singela cerimônia: uma carroça enfeitada de flores levou noivos e filhos à igreja.
Vovó não teve chances de ser vaidosa como toda mulher, mas por um detalhe sei que o era: morreu pedindo ao meu avô que lhe mandasse fazer a dentadura e, talvez por isso, raramente sorrisse ou porque não tinha mesmos muitos motivos...
Curiosamente, ela teve esmerada educação ainda que só primária: escrevia cartas com boa letra, corrigia constantemente a pronúncia dos filhos e conhecia palavras em francês! Contava com orgulho o sacrifício que fez para freqüentar uma escola: o pai as atravessava no barco um rio e, como só pudesse buscá-las no fim do dia; esperavam, ela e as irmãs, horas sentadinhas no degrau da casa de uma senhora que ofereceu essa caridade!
A medicina pouco oferecia na época para atenuar-lhe as crises de asma e o sofrimento desenhou-lhe uma fisionomia diferente; foi ficando corcunda, mas mamãe nunca a descreveu feia e sim triste, resignadamente triste.
Apesar da saúde precária teve nove filhos, todos sem sair de casa, sem visitar uma única vez ao médico: quando estava grávida dizia-se com “um pé na cova”, mas com naturalidade. Também com naturalidade entendia a morte de seus bebês com “mal de sete dias”; dos nove apenas quatro vingaram. O sofrimento não era novidade e ela não era a única a perder alguns dos muitos filhos que esperava... Era assim e pronto.
Meu avô, doce velhinho que conheci, era autoritário e nunca deve tê-la olhado com vagar e atenção; muito menos escutado qualquer de suas observações ditas com voz quase sussurrada ( conforme conta minha mãe).
Com certeza teve medo dele durante toda a vida, mas instintivamente sabia ser corajosa quando se tratava de encobrir as travessuras dos filhos. Sabia que, “talvez” certamente, não fosse a única mulher daquele homem a quem obedecia, mas nunca reclamou e criou como filha uma criança que ele trouxe um dia para sua casa... Não os julgo. Tiveram muitos pudores; não explicaram nada da vida aos filhos, mas também ninguém explicou a eles... Talvez até tenham sido felizes, vez ou outra.
Vovó será sempre uma figura inesquecível no coração da minha mãe e dos meus tios. Era tão frágil e tão forte. Foi como uma árvore estreitinha, arcando-se de lá para cá com os ventos fortes sem quebrar, mas não deixou de dar frutos, proporcionar sombras e derrubar folhas no pequeno mundo em que viveu plantada.
Agradeço por sua existência e por minha mãe mantê-la tão viva para nós; hoje sei que sou somatória de todas essas mulheres que me antecederam e de sua história... Ela nunca gostou do nome que lhe deram e também por isso sei que tinha suas vaidades e desejos; gostaria de adivinhar o nome que queria ter tido, um segredo tão feminino, não é mesmo, vovó?