terça-feira, 16 de agosto de 2016

NOVIDADE DE VIVER



Como escrever o novo quando tudo que se olha parece tão rançoso?
Busco a alvorada, a frescura da manhã, a luz do dia
Busco o riso solto, desmotivado, lindo e tão gostoso
Inéditos momentos, raros aos 55, mas busco com energia.

Abrir os olhos e ver o dia, lavar o rosto com água fria
Pular da cama, andar ligeiro, correr na rua atrás do gato
Tentar um carinho no bichano, sorrir de novo, raspar o prato
Ver um desenho com o Miguel, sair na rua e olhar pro céu
Respirar fundo e tentar cantar, ouvir o Lucas, à noite, rezar!

Eu me emociono com a vida boba e comum
Emociono-me com notícia, com cheiros, sabores
Com discursos, formaturas, atores...
Choro com fotos que tirei, com canções que ouvi mil vezes
Choro por amar demais, por ver correrem os meses!

Sorrio por pouco ou nada: elogio inesperado, presente do amigo gravado, a lua cheia no céu,
O Lucas argumentando, passarinhos cantando, os desenhos do Miguel!
A cada dia que acordo, inédita a vida se faz
As estações se renovam, um filme bom me apraz
Sou manteiga derretida, criança envelhecida
Amada, amante e amiga.


Sou cheia de expectativa, desejo o melhor pras pessoas
Teimo em me deslumbrar!
Teimo em ver o bem onde tem e onde não tem porque quem o quer, encontra.
Porque o bem nos pertence, é semente boa em chão fértil e bom
Nasce nas frestas da alegria, num rasgo pequeno do Sol com poucas gotas de chuva
Na solidão de um farol

Onde se planta ou anseia
Onde a gente o semeia, o bem é o novo na vida
Novidade no coração, coloca cor na tristeza
Muita luz na escuridão

É ele que nos norteia
Pois se te falta algo novo, que te faça renascer
Experimente a bondade, o bem, a caridade
Na luz, a simplicidade.
A novidade apenas de acordar e viver.


Fernanda Bega.
SP, 16 de Agosto de 2016.



quarta-feira, 2 de março de 2016

OUTRA PESSOA

Tantas vezes eu queria ser outra pessoa
Nem sei quem, só não ser eu, esta mesmice
Uma pessoa qualquer de quem eu não soubesse nada, má ou boa
Sem minhas limitações, fraquezas, erros... outras sandices

Queria um mundo de possibilidades
Por existir em alguém não previsível
Queria ver de perto outras verdades
Ser forte, audaz ou louca e insensível

Minhas margens parecem definidas
À superfície todo mundo me conhece
Quão profundas serão minhas medidas?
Qual valor Deus vê nas minhas preces?

Loucos são os que ninguém compreende
Normais são os que camuflam bem sua loucura
Eu sou essa que pareço facilmente
E outra, ou outras que não têm fácil leitura.

Tantas vezes eu queria ser outra pessoa,
Nem sei quem, só não ser eu, esta tão óbvia
Alguém radiante, curiosa, instigante e boa
De alma extrovertida e não tão sóbria.

Alguém que não sentisse dor só de existir
Alguém que não chorasse facilmente
Que tivesse força e garra pra sorrir
Que caísse, levantasse e fosse em frente.

Fernanda Bega





terça-feira, 8 de dezembro de 2015

TARDE


Então, encontrei este texto de 1977, em meu garimpo em gavetas e caixinhas.
Escrevi isso numa dessas tardes daquele ano, vindo da escola.
Era um tempo em que eu andava uns dois quilômetros a pé para ir ao colégio. Tinha 16 anos e a vida se passava muito mais na minha cabeça do que em qualquer outro lugar. Dada à minha timidez, pouca coisa acontecia no mundo real e eu estava formulando a vida, ainda. Estava apaixonada e isso tornava o caminho quase uma travessia da infância para a vida adulta, pois ia bem devagar para admirar tudo, maravilhar-me com a natureza e descobrir que estar apaixonada me fazia amar todas as criaturas, todas as pessoas e viver em êxtase (e quase ser atropelada também)!
Meus pensamentos eram tão intensos que, em casa, eu achava que iam ouvi-los...
Achei alguns erros de gramática e de ortografia, claro... comecei frase com pronome, usei gírias, da época... Mas só me atrevi a corrigir alguma pontuação (não posso alterar o texto da Fernanda de 16 anos, não é mais meu, ou melhor é tão meu que me construiu, como mudá-lo?).


SP , 28 de Agosto de 1977.

TARDE

Fecho o s olhos, amor, e vejo os teus. Abro a boca, amor, e sorrio de nada. Te amo.
Andando na rua, canto canções em meu pensamento, faço orações em meu movimento, meus pés me levam certo... te gosto.
Choveu: o chão tá molhado, o ar cheira terra fresca e fértil; meus pés não vacilam levam-me certo e longe... Tem uma árvore; a pequena garoa renitente do inverno derruba, como no outono, flores lilases da primavera. É Deus. Tá ali, vivo, forte, grande, pequeno! Negando o calendário imutável, as estações distintas, reafirmando que a vontade D’Ele é ainda seguida pela natureza.
... Eu ando. Ando por sobre as flores que caíram, quando ainda estava ali atrás, ando num tapete que só Ele soube tecer. E mais uma vez serviu-me!
Você continua nos meus olhos fechados, nos meus lábios sorrindo; cantando em meu pensamento, orando em meu movimento, andando... Comigo, meus pés, meus olhos, meus lábios! Ouço ainda a garoa, que não me molha e o quebrantar das folhas e flores daí de trás que o homem tá pisando. Amo-o (o homem). Lembrei – me de você, te amo ( também).
Tijolo molhado, parado, cansado traz paz aos meus pés molhados, parados, cansados. Quero-te.
Tem pôr, sem sol... Tem luz.
Meus passos apressam-se sem hora: _ Senhora, que horas são? ( 17:30h).
Não corro, não correm. Não morro, mas morrem.
Cheiro alegria no ar, inspiração aos poetas viria, pra mim, só alegria.
Você tava lavando o carro na porta da casa de lá, você tá tocando um disco na discoteca de cá. É bom ver você nos outros; é bom ver os outros em você: amo a ambos.
Tem música. Cantada no pátio do colégio que passa, soada nos pneus do carro que riscam o chão quase varam; param. Tremi, não era você ou era? Fingi não amar o homem do Carro, fingi não amar minha preocupação. Era você, devia ser. Na certa, tremia agora o homem que eu não amei... Nem sei se chora.
Passou. Rachou meu amor por você, trincou. Também, eu nem esquentei em repreender o homem que eu não amei que quase varou, riscou, soou
( tremia agora, na certa).
Mas, amo-te. Ainda é pôr sem sol, continua você em canção, pensamento; oração, movimento. Tem ternura, quente, cura. Aquece o pensamento, envolve o movimento: chega, para, que cara!
... Cansei. Cerrei os olhos; vi você por lá, parado, gamado, sorrindo.
Voltei. Pisei forte no chão passos de pés certos, sem hora, Senhora... Maria. Pensei: quantas Marias eu amo... benditas!
Cheguei. Suada, gamada, molhada, lavada, to aqui. Pequei, chorei, sorri, rezei... eu amo você como sempre te amei. No homem do carro, no pingo da chuva, na rua que escalo, na lua.
Deus, é noite!!

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

MINHA INFÂNCIA


Minha infância tinha muito quintal, muita brincadeira, muito faz-de-conta.
Minha infância tinha litro de leite de vidro, bengala na padaria e café com leite na caneca de ágata.
Nos meus aniversários, tinha bolo no café da tarde e meus irmãos em torno da mesa. Os finais de semana eram na sociedade amigos do bairro, chamada Chacrinha, brincando de pega-pega, esconde-esconde , dançando nas festas juninas ou cantando nas festas dos japoneses. Isso tudo com o “status” de ser a orgulhosa filha do presidente.
Eu me apresentei numa dessas festas, aos cinco ou seis anos, cantando uma música do Jair Rodrigues – Triste Madrugada – com direito à banda me acompanhando... lembro-me de passar a semana toda ensaiando no quintal, tentando dançar desengonçadamente como faziam o Jair e a Elis naquela ocasião, balançando os braços como quem espanta urubus da plantação ou tem a pretensão de alçar vôo.
Que mico delicioso, meus pais orgulhosos na platéia.
Às vezes, projetavam filmes de rolo no salão da Chacrinha e as famílias sentavam-se em cadeiras plásticas para assistir; mil vezes assisti à Paixão de Cristo, com diferentes atores interpretando Jesus... tinha Jesus gordo, Jesus alto, Jesus moreno, Jesus loiro. Todos me faziam chorar e amar mais e mais a Jesus e sua história grandiosa.
Pedíamos guaraná de garrafa no bar. Minha infância tem cheiro de guaraná. No carnaval, também tinha baile na associação, com confete, serpentina e fantasias que a minha mãe costurava.
Aos domingos, tinha a sagrada missa e íamos sozinhos, sem meus pais.
Mamãe sempre na cozinha, atarefada, mas ai de nós se faltássemos à missa. Da família de onze irmãos de meu pai, tínhamos o privilégio de ter um tio padre que nos ensinava muito e era alegre, divertido e carinhoso. Vinha para celebrar todos os eventos religiosos da família, batizados, primeiras comunhões e casamentos e ainda ficava uns dias em nossa casa, hóspede mais que amado.
E sobre minha mãe faltar às missas aos domingos, ele tinha sempre uma palavra misericordiosa e um olhar admirador para aquela mulher que cuidava de tantos filhos: _ primeiro vem a obrigação e depois a devoção. Meu tio tinha seus sermões preferidos para cada ocasião festiva e nós já sabíamos de antemão qual iria ser, então meu irmão mais velho subia num banquinho de madeira e, com toda pompa e circunstância, imitava o titio em sua homilia. Para a primeira-comunhão era este: _ Napoleão, quando se viu sozinho, exilado na ilha de Santa Helena, disse: os melhores dias de minha vida não foram os de minhas vitórias, mas sim o dia da minha primeira comunhão. Octavinho fazia seu ato e nós, os menores, aplaudíamos, ríamos muito e mamãe ralhava com ele, mas também ria no fundo.
Minha infância tinha muito pé no chão, brincar de comidinha, fazer do rodo o marido de uma e da vassoura o marido da outra. Tinha muito correr da mãe com o chinelo na mão por causa das brigas e esconder-se no banheiro com a irmã até que ela se acalmasse, mas nunca apanhei mesmo, era só parte da nossa rotina. Enquanto estávamos presas no banheiro, acabávamos acertando nossas diferenças e fazendo as pazes. Éramos tão felizes e pouco se falava de comprar brinquedos, de ter isso e aquilo. O meu sonho era ter uma árvore com que pudesse conversar como José Mauro de Vasconcelos em Meu Pé de Laranja Lima ou uma boneca como a Emília, que filosofasse sobre todos os assuntos. Monteiro Lobato era meu herói maior, como o Superman das crianças de hoje. Nossas viagens eram todas para Jacareí, mas eram todas novas, diferentes, aguardadas. Era como ir para o Sítio do Picapau Amarelo.
Para desejar um feliz dia das crianças neste ano de 2015, faço questão de dizer aos adultos, aos pais e mães aflitos por fazerem o melhor, que as crianças não precisam de brinquedos caros, não precisam saber a marca e o preço das coisas, não precisam vestir grife. Crianças precisam de tempo para brincar, espaço, atenção, boa companhia, bichos de estimação, cantigas e histórias, precisam sonhar e acreditar; amar e serem amadas. Esta data não precisa ser mais uma exaltação ao consumo, use a sua imaginação e faça uma criança feliz de verdade.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Colcha de retalhos.

A vida não é feita de felicidade.
Ela é como uma colcha de retalhos, com pedaços coloridos de felicidade e outros escurecidos de tristeza e dor. Meu coração anda apertado como se um gigante o tivesse em suas mãos e o espremesse de vez em quando por puro cinismo... Ontem, houve alegria e tristeza mesclada num mesmo dia num degradê intenso de vida que vai do ocre ao maravilha!
Sinto-me "pouca", como muitas vezes, para comportar tanto e tantos sentimentos. Minha respiração falha quando o pensamento foge para o lado dos problemas e preocupações, das perdas e da saudade. Então, eu o puxo de volta para a realidade cheia de motivos para gratidão... para o sorriso e a voz doce dos meus netos, para a saúde e a vida dos que amo, para o fato de eu estar plena de minhas faculdades mentais e ter paz de espírito e consciência tranquila.
O que me dói mais do que tudo é a capacidade de me colocar no lugar do outro e ver (sentir) tanto sofrimento. O que me alegra é chegar em casa depois de um dia útil de trabalho e ainda sentir disposição para me ocupar, carinhosamente, em fazer felizes as pessoas que Deus me confiou!


Fernanda Bega.