sexta-feira, 9 de outubro de 2015

MINHA INFÂNCIA


Minha infância tinha muito quintal, muita brincadeira, muito faz-de-conta.
Minha infância tinha litro de leite de vidro, bengala na padaria e café com leite na caneca de ágata.
Nos meus aniversários, tinha bolo no café da tarde e meus irmãos em torno da mesa. Os finais de semana eram na sociedade amigos do bairro, chamada Chacrinha, brincando de pega-pega, esconde-esconde , dançando nas festas juninas ou cantando nas festas dos japoneses. Isso tudo com o “status” de ser a orgulhosa filha do presidente.
Eu me apresentei numa dessas festas, aos cinco ou seis anos, cantando uma música do Jair Rodrigues – Triste Madrugada – com direito à banda me acompanhando... lembro-me de passar a semana toda ensaiando no quintal, tentando dançar desengonçadamente como faziam o Jair e a Elis naquela ocasião, balançando os braços como quem espanta urubus da plantação ou tem a pretensão de alçar vôo.
Que mico delicioso, meus pais orgulhosos na platéia.
Às vezes, projetavam filmes de rolo no salão da Chacrinha e as famílias sentavam-se em cadeiras plásticas para assistir; mil vezes assisti à Paixão de Cristo, com diferentes atores interpretando Jesus... tinha Jesus gordo, Jesus alto, Jesus moreno, Jesus loiro. Todos me faziam chorar e amar mais e mais a Jesus e sua história grandiosa.
Pedíamos guaraná de garrafa no bar. Minha infância tem cheiro de guaraná. No carnaval, também tinha baile na associação, com confete, serpentina e fantasias que a minha mãe costurava.
Aos domingos, tinha a sagrada missa e íamos sozinhos, sem meus pais.
Mamãe sempre na cozinha, atarefada, mas ai de nós se faltássemos à missa. Da família de onze irmãos de meu pai, tínhamos o privilégio de ter um tio padre que nos ensinava muito e era alegre, divertido e carinhoso. Vinha para celebrar todos os eventos religiosos da família, batizados, primeiras comunhões e casamentos e ainda ficava uns dias em nossa casa, hóspede mais que amado.
E sobre minha mãe faltar às missas aos domingos, ele tinha sempre uma palavra misericordiosa e um olhar admirador para aquela mulher que cuidava de tantos filhos: _ primeiro vem a obrigação e depois a devoção. Meu tio tinha seus sermões preferidos para cada ocasião festiva e nós já sabíamos de antemão qual iria ser, então meu irmão mais velho subia num banquinho de madeira e, com toda pompa e circunstância, imitava o titio em sua homilia. Para a primeira-comunhão era este: _ Napoleão, quando se viu sozinho, exilado na ilha de Santa Helena, disse: os melhores dias de minha vida não foram os de minhas vitórias, mas sim o dia da minha primeira comunhão. Octavinho fazia seu ato e nós, os menores, aplaudíamos, ríamos muito e mamãe ralhava com ele, mas também ria no fundo.
Minha infância tinha muito pé no chão, brincar de comidinha, fazer do rodo o marido de uma e da vassoura o marido da outra. Tinha muito correr da mãe com o chinelo na mão por causa das brigas e esconder-se no banheiro com a irmã até que ela se acalmasse, mas nunca apanhei mesmo, era só parte da nossa rotina. Enquanto estávamos presas no banheiro, acabávamos acertando nossas diferenças e fazendo as pazes. Éramos tão felizes e pouco se falava de comprar brinquedos, de ter isso e aquilo. O meu sonho era ter uma árvore com que pudesse conversar como José Mauro de Vasconcelos em Meu Pé de Laranja Lima ou uma boneca como a Emília, que filosofasse sobre todos os assuntos. Monteiro Lobato era meu herói maior, como o Superman das crianças de hoje. Nossas viagens eram todas para Jacareí, mas eram todas novas, diferentes, aguardadas. Era como ir para o Sítio do Picapau Amarelo.
Para desejar um feliz dia das crianças neste ano de 2015, faço questão de dizer aos adultos, aos pais e mães aflitos por fazerem o melhor, que as crianças não precisam de brinquedos caros, não precisam saber a marca e o preço das coisas, não precisam vestir grife. Crianças precisam de tempo para brincar, espaço, atenção, boa companhia, bichos de estimação, cantigas e histórias, precisam sonhar e acreditar; amar e serem amadas. Esta data não precisa ser mais uma exaltação ao consumo, use a sua imaginação e faça uma criança feliz de verdade.

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